quarta-feira, 17 de agosto de 2016

O PRIVILÉGIO DO CARPE DIEM

Hoje li um texto muito bom da Ruth Manus. Nele, ela falava de uma galera incrível que se permite viver com pouco e abrir mão de grandes carreiras em prol da felicidade (link aqui).  Segundo ela, é a “geração que encontrou o sucesso no pedido de demissão”, carpe diem e blábláblá. O que é muito bonito e tudo mais. Quando a gente lê que aquele amigo dela largou comércio exterior pra trabalhar num hostel até bate a ansiedade, né? Uma vontadezinha absurda de fazer o mesmo. De parar de faturar pra multinacional, viajar o mundo passando perrengue em albergue, de ser criativo, aplaudir o pôr do sol, viver das coisas que a natureza dá e todo aquele papo de humanas que conhecemos e, claro, adoramos. 


Mas sinceramente, pra mim, a ideia de que, diferente dos nossos pais (que encontraram um modelo de sucesso na carreira, e seus pais, por sua vez, na família), nós percebemos que o sucesso profissional não garante sensação de missão cumprida, é balela das grandes.  Não porque, de fato, ela garanta. Mas porque é de uma pretensão imensurável acreditar que todos podemos – e devemos – viver de gratidão ao universo: abrir mão daquele emprego que te ajuda a sustentar uma casa em razão desse sonho de hippie urbano que não tem hora pra acordar.

Mais que isso, as palavras da Ruth me trouxeram a clareza de que somos muito deslumbrados e, especialmente, privilegiados. Acredito que seja muito fácil pra mim abrir mão do meu emprego hoje (em comparação com a realidade de outros milhões de brasileiros). Tenho o suporte financeiro da minha vó. Até da minha irmã, se precisar. Mas esse é o papo da menina branca de classe média, entende? Assim como a Ruth, eu adoraria viver dos meus textos. Entreter as pessoas, fazer mochilão, sair do escritório e ser extremamente mais feliz. Mas, no momento em que vivemos, é possível se dar esse luxo?

E olha que não tô aqui criticando quem faz, hein?! É lindo ver quem larga tudo e vai fazer hambúrguer (até porque eu adoro hambúrguer), quem decide mudar de país pra trabalhar de babá ou viver de artesanato. Eu acho digníssimo e, sinceramente, admiro quem pode e consegue. Imagino que exija força de vontade e coragem inigualáveis. Também não acredito que devamos ser escravos das nossas obrigações, que devamos esquecer e enterrar nossas paixões por conta de um salário. Mas vamos concordar que a utopia do Carpe Diem não é pra todo mundo como os textos que vemos pela internet fazem parecer? Que a propaganda do "largue tudo e vá viajar" não condiz com a realidade do brasileiro médio?

Vou dar um exemplo prático. Tenho uma amiga maravilhosa, a Michelle. Mulher, negra, sempre estudou em escola pública e trabalhou. Hoje tem duas faculdades e uma pós graduação na USP. A mina é genial. De verdade. Coisa de deixar a gente pensando “nossa, quando crescer eu quero ser que nem ela”. Ela trabalha com turismo, que é uma coisa que ela gosta, mas está longe de ser o ideal. São longas horas, muita correria e pouco salário. Garanto pra vocês que a vontade dela era largar a porra toda e viajar o mundo. Garanto também que quando ela lê o texto da Ruth ela pensa: “por que não eu?”. Ela merece fazer o que ama? Merece muito. Ela pode? De jeito nenhum. Ela tem uma família que depende exclusivamente das rendas dela e da sua irmã.  Se elas não estiverem lá trabalhando, quem paga o mercado?

Então, meus amigos, muito além da admiração que eu tenho por quem cria coragem e vai fazer o que gosta, eu admiro quem fica por necessidade. Eu admiro quem aguenta a porrada todos os dias, quem faz o impossível e abre mão de muita regalia pra prover. Se eu tivesse que escolher um exemplo a ser seguido, eu certamente escolheria a Michelle.  Acho que faltam textos para parabenizar as Michelles por aí. Que, muito além de qualquer vida perfeita de instagram, carregam SIM o sentimento de missão cumprida. 

4 comentários:

  1. A vida como ela é...abdicar de seus sonhos em prol da família, realidade de muitos, inclusive a minha. Queira fazer letras, fiz Direito... Só uma das escolhas que fiz na vida.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Temos que fazer escolhas todos os dias. Só não podemos romantizar o "largar tudo" e condenar quem fica porque precisa. Obrigada pela visita! <3

      Excluir
  2. Adimiro tanto vc Alê! Tao novinha e com umas ideias tao bacanas. Onde da like?

    ResponderExcluir