Estávamos no ano de 2010. Era o meu último ano do colégio e
este foi regado a muito álcool, algumas perspectivas e pouquíssimo amor
próprio. Entre uma inscrição pro vestibular e outra, meu maior passatempo era
ficar no Orkut. E foi lá que conheci esse rapaz que parecia o resumo dos meus
sonhos: gentil, inteligente, bonito e... Claro, preferia gordas. Reparem que eu
não disse que ele “gostava” de gordas, porque existe uma diferença essencial
entre gostar e preferir (sobre a qual eu disserto aqui). Mal sabia eu, estava entrando
em um relacionamento sério com um sociopata.
Nós nos conhecemos pessoalmente, nos gostamos e
eventualmente começamos a namorar. Ele seria o meu primeiro namorado sério, de
apresentar pra família e deixar ouvir a gritaria nos almoços de domingo. E
apesar de não me recordar muito bem, acho que o nosso primeiro ano juntos foi
até saudável. Quase não saíamos de casa, havia algumas crises de ciúmes e
brigas, mas nada que me fizesse sofrer todos os dias. A única certeza que eu
tinha é que precisávamos melhorar – e foi isso que me fez continuar com ele por
tanto tempo (pessoas que sofrem algum tipo de violência por aquelas que amam
acreditam que existe a possibilidade de mudança, perspectiva de melhora ou de
salvação, quando na verdade não há).
Pra ser sincera, também não saberia dizer quando tudo piorou
de vez. Provavelmente em algum lugar entre o discurso de ódio contra mulheres,
as ameaças e a traição. Mas pra mim, o maior agravante é que eu, de início
pessoa forte e que tinha alguma autoestima, fui me deixando levar pelo discurso
do homem que dizia me amar, mas fazia questão de me diminuir por ser gorda. Que
mentia, manipulava, exigia e me magoava. Que me fez dependente física e
emocional daquele sentimento. E aí sim chegou o momento em que sofria, de fato,
todos os dias.
Nossas brigas eram recheadas de frases como “você é louca”,
“você é gorda e por isso não tem coragem de terminar comigo” e “eu posso fazer
o que quiser porque você não quer morrer sozinha”. Nossa convivência drenava
toda a minha energia. Os problemas nunca pareciam ter fim. As chantagens
emocionais e agressões eram tão constantes que eu me acostumei. Só hoje vejo
como era doentio sentir como se estivesse fazendo sexo com um completo estranho
e só conseguir chorar depois. Ele fingia que não via.
Passei a jurar pra mim mesma que todas as coisas ruins que
aconteciam comigo eram normais. E por ter aprendido durante toda a vida que
valia menos que outras pessoas, eu aceitei. Aceitei também por acreditar que
amor é aquilo, que o amor vence e muda tudo. Que faz parte levar desaforo pra
casa, sofrer um pouco (ou muito, nesse caso). Que é necessário perdoar e tentar
de novo. Era frequente o sentimento de culpa. Eu me achava um lixo de pessoa,
uma namorada ingrata por ter um homem que me aguentasse mesmo gorda... Enquanto
isso, meu ex jurava que era o melhor namorado do mundo. No começo eu não
acreditava. Mas ele foi repetindo essa frase tantas vezes que além de se
convencer, acabou me convencendo também.
Posso dizer que felicidade mesmo eu só senti quando tudo acabou. Depois de semanas tentando terminar, ele me convidou pra ir até a sua casa. Conversamos, nos demos bem, fiz pela última vez tudo o que ele queria. Acordamos, nos olhamos e, como se esperasse alguma reação apaixonada minha, disse que achava melhor terminarmos. Peguei minhas coisas e desci as escadas. O alívio e um tipo de ansiedade tomaram meu corpo. Só me lembro de ir embora no mais profundo silêncio.
Posso dizer que felicidade mesmo eu só senti quando tudo acabou. Depois de semanas tentando terminar, ele me convidou pra ir até a sua casa. Conversamos, nos demos bem, fiz pela última vez tudo o que ele queria. Acordamos, nos olhamos e, como se esperasse alguma reação apaixonada minha, disse que achava melhor terminarmos. Peguei minhas coisas e desci as escadas. O alívio e um tipo de ansiedade tomaram meu corpo. Só me lembro de ir embora no mais profundo silêncio.
Parabéns pelo texto, Alê, nos levou a pensar em nossas vidas e as escolhas que fazemos. Lindo texto, forte, embarquei na sua história. CARAMBA, confesso que fiquei emocionado.
ResponderExcluirMuito obrigada, Dácio. De coração.
ExcluirTextos pessoais assim não são fáceis, mas tenho certeza que podem ajudar algumas pessoas na mesma situação.
Um beijo :)
Ale, como sempre arrasa nos textos.. Parabéns!
ResponderExcluirObrigada, Mi! Que alegria saber que acompanha sempre! <3
ExcluirMe lembrou muito o vídeo da -Maravilhosa - JoutJout. Você e seus textos são amorzinho Alê <3
ResponderExcluirAMO/SOU JoutJout. Ela falar sobre relacionamento abusivo com uma leveza invejável. Quando crescer quero ser que nem ela... hahaha
ExcluirMuito obrigada pelo carinho, moça :)
Cara, eu me identifiquei tanto... passei 3 anos com um cara q tinha namorada, q só queria me comer e achava q era o q eu merecia, por estar c um cara c namorada (pq me achava tão feia e gorda q aquele era o único cara q eu achava q ia me querer).
ResponderExcluirGraças a Deus esses EXUs passam, vc conhece uma pessoa maneira e tudo muda...
Não sei se já mudou e se já conheceu a pessoa ideal, mas pode apostar q ela vai aparecer :)
Beijoca
Oi, Cíntia! A pior merda é quando a gente passa a acreditar que merece pouco ou nada de bom nessa vida. Não sei exatamente como eles fazem a lavagem cerebral, mas funciona. Fico feliz demais que tenha saído dessa e encontrado uma pessoa bacana... Espero que um dia aconteça comigo :( hahaha
ExcluirBeijo e obrigada pelo carinho!
droga, comentei aqui mas acho que nao deu certo.
ResponderExcluirale, vc pode falar mais sobre esse relacionamento?? tipo: as agressoes começaram logo ou foi piorando demais com o tempo? vc cortou contato com o cara, tinham amigos em comum, como foi isso? vcs ficaram muito tempo juntos? ele exercia algum tipo de poder ou controle sobre vc, te impressionava de alguma forma?
desculpa se fui invasiva, achei seu blog por acaso e acho que esotu numa situaçao semelhante.
se nao quiser me responder vo entender. bjs edesculpe!
Oi, Vivian! Tudo bom?
ExcluirPosso falar sim, sem problemas. Bom, no começo as agressões psicológicas eram bem sutis, eu achava que fazia parte da personalidade dele e que poderia ajudá-lo a mudar. Como disse no texto, eu não tenho uma noção exata de quando realmente piorou, mas foi lá pro final do primeiro ano de namoro... Nós quase não tínhamos amigos em comum e isso foi uma coisa boa. Eu morei minha vida toda em Mongaguá e ele era de SP, como havia me mudado há pouco pra cá, os círculos sociais eram bem distintos. Além disso, acho que em dois anos e meio eu saí com ele e os amigos umas três vezes. Ele sempre pedia pra eu não ir, arrumava uma desculpa bem tosca... Eu sentia que, das duas, uma: ou ele tinha vergonha de mim, ou tava fazendo alguma coisa muito errada e não queria que eu ficasse perto dos amigos e desconfiasse. Acabamos ficando bastante tempo juntos, mais ou menos dois anos e meio, num vai e vem infinito. Era aquela coisa de terminar toda a semana e voltar logo em seguida, exaustivo pra cacete. Já esse lance do poder sobre mim é bem curioso, porque, na real, eu sempre admirei muito ele. Sempre o considerei um cara inteligentíssimo e super esforçado, e isso é uma coisa que sempre quis pra mim. Gosto de estar rodeada de pessoas que me acrescentem algo, e no início parecia que era o que ia acontecer. Também tinha o fato de ele ser meu primeiro namorado de apresentar pra família, o fato de eu ser gorda e absolutamente insegura com relação ao namoro. Nunca tinha gostado de alguém daquele jeito e me doado tanto pra alguém... e isso dá um poder pro abusador que a gente não imagina. Eu acreditava de verdade que se terminássemos ninguém nunca ia me querer, até porque era o que ele dizia.
Se você acha que está numa situação parecida e quiser conversar sobre, pode me adicionar no facebook ou me mandar um e-mail (alessandrabarbieri@gmail.com), meu bem. Ficaria feliz de poder ajudar, não tive ninguém que fizesse isso por mim.
Fica bem! Um beijo :)
te mandei email. olha la. beijo. e obrigada por ter sido tao doce e solícita no seu comentario. nao sabia nem se voce ia me responder!
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