sexta-feira, 26 de agosto de 2016

ALGUMAS VERDADES SOBRE A CIRURGIA BARIÁTRICA (PARTE II)

Olá, amiguinhos. Abaixo a parte dois (de três) da série de textos Algumas verdades sobre a cirurgia bariátrica. Vem comigo:

1)      TERAPIA PÓS BARIÁTRICA É IMPORTANTE SIM

No meu caso, eu já fui bem nervosa pra sala de operação. Você acha que tem toda a certeza do mundo do que quer até se sentir numa cena de Grey’s Anatomy, sendo carregada num maca e vendo as luzes do teto passando por você. Sério, eu me tremia toda de tanto cagaço. Num segundo estava mega segura e, no outro, era o retrato da Anastasia de 50 tons de cinza. Ou seja, já comecei errado. Os dias que se seguiram não foram dos melhores também. Não lidei muito bem com minha estadia no hospital (e a privação de sono) e o primeiro mês em casa passou bem, mas bem devagar. Foi genuinamente difícil. Nesse período em que se tem bastante tempo livre, você acaba criando algumas expectativas irreais (alimentadas pela insegurança, dor e cansaço citados anteriormente) com relação aos resultados imediatos do procedimento. E, acreditem, isso pode nos frustrar horrores. Foi exatamente o que aconteceu comigo. Eis um exemplo mais claro: em seis dias eu perdi 7kg. É coisa pra cacete. Passou mais uma semana, fui me pesar toda animadinha: havia perdido apenas mais 2kg. E aí piração toma conta do serumaninho. Você começa a achar que não deu certo com você, que alguma coisa tá errada, que você tá tomando muitos copinhos de 20ml de suco, que a gelatina light tá te engordando. Quando percebi que esses pensamentos imbecis estavam tomando conta e arrebentando com a minha motivação, procurei ajuda psicológica. E foi a melhor coisa que eu fiz. Passei com a psicóloga com quem fiz o acompanhamento pré-bariátrica (que foi quem me deu o laudo aprovando o procedimento, inclusive), com a qual desenvolvi uma boa relação e muita confiança. Querendo ou não, a bariátrica muda a sua vida de maneiras que, a priori, você não enxerga. A sua relação com os amigos muda. O seu conceito de diversão, lazer e até prazer também mudam. São colocadas em pauta diversas limitações que pensamos estar preparados pra enfrentar e que, após o trauma de uma cirurgia, muitas vezes não estamos. E a terapia te ajuda pra caramba nesse sentido. Portanto, recomendo e reitero: não é frescura e, se possível, não abram mão do acompanhamento. Faz toda a diferença.

2)      VOLTAR A COMER PODE SER UM PROBLEMA

Passaram os 21 dias da dieta líquida. Os outros 7 de pastosa voaram. Chegou a hora tão esperada de comer alimentos feitos pra quem tem dente... O problema é que você não consegue. Seu estômago ficou pequenininho e está desacostumado a receber qualquer coisa que dê trabalho pra digerir. Além disso, a absorção das gorduras, açúcares e vitaminas é diferente agora. Por isso é importante escolher bem sua primeira refeição. Eu comi tudo o que eu queria: arroz, batata, tomate cereja e um pedaço de filé de peixe grelhado. E como foi difícil, migos... Você vai ficar lá mastigando 30 vezes e engolindo as coisas aos poucos – se não dói. Se não doer, vai voltar... – e quando for pegar a segunda garfada, tudo já vai estar frio. Bate um desespero danado. Você vai reaprender a se alimentar e vai ser um pé no saco.

No mais, pode ser que você não lide bem com o consumo de açúcar e tenha tremedeiras. O gosto da coca-cola nunca vai ser o mesmo, já aviso. Pode ser também que não dê pra comer carne de imediato porque, realmente, é um alimento rígido que pode parar no esôfago e não descer nem por decreto. Mesmo que você mastigue. Mesmo que você imploda com dinamite aquele pedacinho de proteína. Ela não está a seu favor. E, mais do que qualquer coisa, lembrem-se: NÃO TENTEM EMPURRAR COM ÁGUA. Vai dar merda.

3)      VOCÊ VAI ECONOMIZAR MUITO COM COMIDA...

Agora chegamos na parte legal. Amiguinhos, assim como eu, vocês vão economizar muito em comida. Muito mesmo. Oh, no restaurante por quilo você vai sentir um prazer que nunca experimentou antes: duvido que pague mais que 10 reais no prato (e tô falando de quilo bom, viu, não do sujinho do SENAC). Se você trabalha e rola um refeitório na empresa, aproveite pra levar sua comidinha bonitinha de casa. Assim cê sabe o que tá comendo, como foi feito e também as quantidades exatas (no começo você pode ficar bem perdido, como eu fico até hoje). Ir a um restaurante a la carte só vale a pena acompanhado: rola dividir um prato com o amiguinho e é capaz ainda que sobre. Sobre o rodízio, bom... Não sei se vale a pena at all. Existe uma lei que está em vigência em alguns estados brasileiros (leia mais sobre aqui) que determina que restaurantes deem desconto (de 30% a 50%) aos operados quando apresentada a carteirinha que comprove o procedimento. Se esse caso se aplicar e você fizer muita questão do rodízio: YOU GO GIRL!

4)      ... MAS VAI GASTAR UMA CARALHADA EM VITAMINAS

Aparentemente eu tô aqui pra dar más notícias pra vocês, né? As vitaminas que vamos ter que tomar PRO RESTO DA VIDA são bem carinhas e não tem muito pra onde fugir. É imprescindível tomar todos os dias, conforme orientação médica.  Mas compensa, prometo! 

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

ALGUMAS VERDADES SOBRE A CIRURGIA BARIÁTRICA (PARTE I)

Como todos vocês já estão cansados de saber, (quase) sempre fui gorda. E não me venham com esse papo de que eu era “gordinha”/”fofinha”. O termo “gordo” não é ofensa e não precisamos de diminutivos pra suavizar seu significado. Foram muitos anos de trabalho e reflexão até eu não ter mais vergonha de mim mesma. O amor próprio e a admiração pelo corpo gordo (que, como vocês também sabem, é rechaçado e alvo de desprezo desde sempre) também não vieram do nada. Mas isso é história pra outro dia.

O que queria falar pra vocês é que, no começo deste ano, resolvi que ia me submeter à cirurgia bariátrica por diversos motivos (que mencionarei a seguir). E assim como muitas outras decisões da minha vida, essa eu tomei ouvindo relatos de terceiros sobre o procedimento: li muito a respeito do lado bom e do ruim. E cá estou eu pra falar algumas verdades que, mesmo após extensa pesquisa, ninguém me disse, mas que eu considero essenciais pra quem está pensando na possibilidade.

Aproveito também para deixar claro que não estou aqui para desencorajar ninguém. Quero apenas dividir a minha experiência e opiniões sobre um procedimento que é vendido, muitas vezes, como remédio pra tudo, como se fosse algo simples, corriqueiro. Estejam avisados: não é.  

1)      BARIÁTRICA NÃO É O JEITO MAIS FÁCIL DE EMAGRECER

Ah, esse foi o absurdo que mais ouvi por aí. Muita gente falando que, ao escolher o procedimento cirúrgico, estamos optando pelo jeito mais fácil de emagrecer. Afinal, é “definitivo” (bem entre aspas mesmo, viu?!) e está longe de ser doloroso como ~fechar a boca~ e tampouco necessita da famosa (e tão irônica) ~força de vontade~. E aí, meus amigos, eu lhes digo: tomar uma decisão dessa exige mais que força de vontade. Imaginem deixar alguém cortar fora (ou grampear, como foi o meu caso) o estômago de vocês, pra minimizar problemas atuais e futuros (pressupondo que você não está fazendo por estética). Mais que isso: imaginem mudar a vida, os hábitos e lidar com as vontades e todos os obstáculos que um procedimento invasivo desses impõe. A intervenção cirúrgica ajuda, mas não resolve nada se você não seguir a dieta, não fizer acompanhamento, tomar os remédios, realizar 500 exames...  E lidar com isso física e psicologicamente é muito mais difícil que entrar em uma academia.

2)      VOCÊ VAI SENTIR DOR POR UM BOM TEMPO

E já adianto: a dor começa logo depois que você percebe que tá viva. A cirurgia é curta, dura uma hora/uma hora e meia caso não haja complicações. Aí você acorda no centro cirúrgico com o abdome totalmente inflado, com muita dor no corpo e dificuldade pra respirar (por conta dos sedativos). Algumas horinhas depois vão te levar pro quarto. Você, na maior ilusão da sua vida, acha que vai ficar deitadinha descansando. Afinal, você acabou de passar por uma cirurgia, né? Te cortaram toda, gente. Provavelmente algum enfermeiro vai vir te dar a má notícia: você não pode deitar na cama. Para que os gases que usaram pra inflar seu abdome na cirurgia saiam de você, é necessário que caminhe. O esquema é assim: 40 minutos caminhando pelo corredor (eventualmente vai rolar um trânsito com os carrinhos de soro) e 40 “descansando”, outro termo que devemos usar com cuidado e entre muitas aspas. Ninguém descansa em hospital após a bariátrica. Esses 40 minutos de relaxamento, na verdade, servem pra você tomar medicação, fazer os exercícios respiratórios, talvez um xixi (o que pode dar um trabalho do cacete) e a fisioterapia. Essa rotina deliciosa vai geralmente até às 22h30 e começa de novo às 06h30, quando o médico passa pra perguntar se tá tudo bem e sugere que você saia da cama e volte a se exercitar.

Depois dessa temporada agradabilíssima no hospital (e aproveito aqui pra agradecer todos os familiares, enfermeiros e médicos que cuidaram de mim e tiveram uma paciência absurda), você finalmente recebe alta pra ir pra casa. O que pode demorar a manhã inteira (e talvez seja interessante ficar amiga da enfermeira e dar uma cobradinha pra ser liberada logo). Acredite: você nunca quis tanto sua cama na vida. E quando você estiver no conforto do seu lar, achando que tudo vai melhorar... Adivinhe? Vai continuar com dor. No meu caso, foi pouco mais de um mês pra não sentir mais o gás carbônico pressionando meus órgãos. Isso varia muito, mas eu dei azar. Deitar em qualquer posição era bem incômodo, tomar banho foi cansativo (e é importante ter sempre alguém de olho, já que você fica fraco e pode cair sua pressão) e aquela sopa vira um pesadelo depois de alguns dias. E digo mais: as duas semanas que eles te deram de afastamento talvez não sejam suficientes. É complicado ficar sentado durante tanto tempo no trabalho, é exaustivo subir dois degraus no começo e bem chato ter que tomar chá de cinco em cinco minutos quando se está resolvendo algo por telefone. Mas passa, miga. Fica tranquila. Hoje, no meu terceiro mês de operada, confesso que até esqueço que fiz.

3)      NÃO MASTIGAR PODE SER UMA TORTURA

Acho que, muito além das dores do procedimento, a definição de sofrimento pra mim foi não poder mastigar. Normalmente as pessoas que não passaram por isso não entendem e pode soar como exagero, inclusive. Mas, pensa bem, gente: estamos acostumados a mastigar o tempo todo. Temos esse montão de dente pra comer carne com ousadia e alegria. Aí cê faz bariátrica e fica vinte e um dias tomando água e outros sete engolindo papinha. Você quer morrer. Você quer mastigar a sua irmã. Você sente saudades da crocância até do alface. Tinha dias em que eu me iludia e mastigava a sopa. E o que eu fiz pra não ficar tão pirada nesse período foi morder gelo. A gelatina também dava uma boa aliviada, porque era a coisa mais firme que eu ingeria no começo.  Outra boa notícia: essa fase também passa. Mas, mais uma vez: não é fácil. 

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

O PRIVILÉGIO DO CARPE DIEM

Hoje li um texto muito bom da Ruth Manus. Nele, ela falava de uma galera incrível que se permite viver com pouco e abrir mão de grandes carreiras em prol da felicidade (link aqui).  Segundo ela, é a “geração que encontrou o sucesso no pedido de demissão”, carpe diem e blábláblá. O que é muito bonito e tudo mais. Quando a gente lê que aquele amigo dela largou comércio exterior pra trabalhar num hostel até bate a ansiedade, né? Uma vontadezinha absurda de fazer o mesmo. De parar de faturar pra multinacional, viajar o mundo passando perrengue em albergue, de ser criativo, aplaudir o pôr do sol, viver das coisas que a natureza dá e todo aquele papo de humanas que conhecemos e, claro, adoramos. 


Mas sinceramente, pra mim, a ideia de que, diferente dos nossos pais (que encontraram um modelo de sucesso na carreira, e seus pais, por sua vez, na família), nós percebemos que o sucesso profissional não garante sensação de missão cumprida, é balela das grandes.  Não porque, de fato, ela garanta. Mas porque é de uma pretensão imensurável acreditar que todos podemos – e devemos – viver de gratidão ao universo: abrir mão daquele emprego que te ajuda a sustentar uma casa em razão desse sonho de hippie urbano que não tem hora pra acordar.

Mais que isso, as palavras da Ruth me trouxeram a clareza de que somos muito deslumbrados e, especialmente, privilegiados. Acredito que seja muito fácil pra mim abrir mão do meu emprego hoje (em comparação com a realidade de outros milhões de brasileiros). Tenho o suporte financeiro da minha vó. Até da minha irmã, se precisar. Mas esse é o papo da menina branca de classe média, entende? Assim como a Ruth, eu adoraria viver dos meus textos. Entreter as pessoas, fazer mochilão, sair do escritório e ser extremamente mais feliz. Mas, no momento em que vivemos, é possível se dar esse luxo?

E olha que não tô aqui criticando quem faz, hein?! É lindo ver quem larga tudo e vai fazer hambúrguer (até porque eu adoro hambúrguer), quem decide mudar de país pra trabalhar de babá ou viver de artesanato. Eu acho digníssimo e, sinceramente, admiro quem pode e consegue. Imagino que exija força de vontade e coragem inigualáveis. Também não acredito que devamos ser escravos das nossas obrigações, que devamos esquecer e enterrar nossas paixões por conta de um salário. Mas vamos concordar que a utopia do Carpe Diem não é pra todo mundo como os textos que vemos pela internet fazem parecer? Que a propaganda do "largue tudo e vá viajar" não condiz com a realidade do brasileiro médio?

Vou dar um exemplo prático. Tenho uma amiga maravilhosa, a Michelle. Mulher, negra, sempre estudou em escola pública e trabalhou. Hoje tem duas faculdades e uma pós graduação na USP. A mina é genial. De verdade. Coisa de deixar a gente pensando “nossa, quando crescer eu quero ser que nem ela”. Ela trabalha com turismo, que é uma coisa que ela gosta, mas está longe de ser o ideal. São longas horas, muita correria e pouco salário. Garanto pra vocês que a vontade dela era largar a porra toda e viajar o mundo. Garanto também que quando ela lê o texto da Ruth ela pensa: “por que não eu?”. Ela merece fazer o que ama? Merece muito. Ela pode? De jeito nenhum. Ela tem uma família que depende exclusivamente das rendas dela e da sua irmã.  Se elas não estiverem lá trabalhando, quem paga o mercado?

Então, meus amigos, muito além da admiração que eu tenho por quem cria coragem e vai fazer o que gosta, eu admiro quem fica por necessidade. Eu admiro quem aguenta a porrada todos os dias, quem faz o impossível e abre mão de muita regalia pra prover. Se eu tivesse que escolher um exemplo a ser seguido, eu certamente escolheria a Michelle.  Acho que faltam textos para parabenizar as Michelles por aí. Que, muito além de qualquer vida perfeita de instagram, carregam SIM o sentimento de missão cumprida.